quinta-feira, 19 de julho de 2018

Aristóteles VIDA E OBRA - PARTE 2

Em 347 a.C. Platão morreu, deixando vago o cargo de líder da Academia. Meia dúzia dos colegas mais capacitados de Platão achavam que havia apenas um homem apto a ocupar cargo de tanto prestígio. Infelizmente, cada um tinha em mente um nome diferente (quase sempre o seu próprio).

E Aristóteles nesse ponto não era exceção. Para seu desgosto o cargo foi finalmente entregue a Espeusipo, primo de Platão, conhecido por ter sido tão mal-humorado que em determinada ocasião atirou seu cachorro em um poço por latir durante suas aulas. Também se diz que inventou um equipamento que permitia o transporte de lenha miúda e finalmente se auto-administrou eutanásia, após ter se tornado objeto de ridículo público durante uma discussão com Diógenes, o Cínico, na Ágora.

Como pensador, Espeusipo dificilmente podia ser comparado ao homem cujas doutrinas forneceriam os alicerces a todo o pensamento intelectual sério pelos dois milênios seguintes – e, quando de sua nomeação, Aristóteles, profundamente encolerizado, deixou Atenas em companhia de seu amigo Xenócrates (outro candidato desiludido).

Aristóteles atravessou o Egeu até Atarneus, onde passara a juventude. O lugar era então governado pelo eunuco Hérmias, mercenário grego que conseguira se apossar desse rincão da Ásia Menor. Em visita a Atenas, Hérmias ficara bastante impressionado com o que vira na Academia e recebeu Aristóteles de braços abertos. Hérmias estava decidido a transformar Atarneus em um centro de cultura grega, e Aristóteles começou a assessorá-lo sobre a melhor forma de conseguir seu objetivo.

A filosofia política de Aristóteles consiste principalmente no exame dos diferentes tipos de estado e na melhor forma de governá-los. Ele mostra profunda compreensão da política, o que o levou a adotar uma atitude pragmática, em contraste direto com o enfoque idealista de Platão. A República descreve como o filósofo-rei deveria governar sua utopia (que, como qualquer utopia, era de fato pouco mais que uma tirania). Aristóteles, ao contrário, descreve como governar um estado real – esboçando métodos efetivos de ação freqüentemente quase maquiavélicos.

Sabia como a política funcionava e sabia que devia ser efetiva para, no final, ter alguma utilidade. Isso não significa dizer que era vazio de ideais. Genericamente, acreditava que a finalidade do estado era produzir e apoiar uma classe de cavalheiros cultos como ele próprio, embora compreendesse que nem sempre isso era possível. Por exemplo, para conduzir uma tirania com sucesso, o governante devia se comportar como um tirano.

Nesse estado policial não haveria lugar para a elite cultural de Aristóteles. Contudo, em determinado ponto sugere que existe outra forma de conduzir uma tirania. O tirano pode assumir uma postura religiosa e adotar uma política moderada.

Alguns insinuam ter sido este o enfoque provavelmente adotado por Aristóteles como educador do tirano Hérmias. É muito pouco plausível, em minha opinião. No entanto, não estou sugerindo que Aristóteles teria defendido meios de instituir uma tirania drástica – com todas as atividades culturais proibidas, a população mantida sob medo e pobreza, trabalhando na construção de grandes monumentos públicos, com guerras periodicamente programadas, a fim de conservá-los alertas e mostrar-lhes a necessidade de um grande líder. (A análise de Aristóteles permanece relevante, do filósofo-rei de Platão a Saddam Hussein.)

Aristóteles desenvolveu sua filosofia política em seus últimos anos de vida, e na época em que educava Hérmias provavelmente aderiu às idéias expressas na República de Platão. Se assim foi, ele pode muito bem ter diplomaticamente modificado, nesse caso, a doutrina do filósofo-rei de Platão.

Não era necessário que um eunuco-tirano se tornasse filósofo, bastava certificar-se de que seguia os conselhos de um deles. Aproximando-se da meia idade e, apesar de seu dandismo, era considerado essencialmente o tipo de professor reservado. Foi então que, para surpresa de todos que o conheciam, se apaixonou. O objeto de sua afeição era uma jovem de nome Pítia, conhecida como integrante da casa de Hérmias.

Alguns afirmam que era irmã de Hérmias, outros que era sua irmã por adoção – embora algumas fontes, quase sempre confiáveis, afirmem que era originalmente sua concubina (algo como uma sinecura, considerando seu status sexual). Essas contradições sugerem que ela pode muito bem ter sido uma cortesã do palácio. Seria esse um caso precoce do professor apatetado apaixonado pelo Anjo Azul?

De todo modo, Pítia não era virgem quando Aristóteles se casou com ela, a julgar pelo seu pronunciamento: “Uma vez que se tornem efetivamente casados e chamem um ao outro marido e mulher, é totalmente errado que um homem ou uma mulher seja infiel” – ficando implícito que, antes disso, seria aceitável. Esse pronunciamento acha-se nas observações de Aristóteles sobre adultério, e parece que em assuntos tão pessoais ele tinha o hábito de generalizar a partir de sua própria experiência bastante limitada.

Em suas observações sobre o casamento, afirma que a melhor idade para se casar é trinta e sete anos para o homem e dezoito para a mulher – precisamente as idades que ele e Pítia tinham quando se
casaram. Independentemente do brilhantismo de Aristóteles, a imaginação não costumava ser seu ponto forte.

Tudo isso torna ainda mais irônico o fato de que, em sua Poética, o prosaico Aristóteles tenha forjado a mais poderosa elucidação da literatura jamais escrita – enquanto Platão, de longe o mais bem dotado poeticamente de todos os filósofos, decretava a expulsão dos poetas. (É de se perguntar o que Platão tentava esconder.)

Aristóteles tinha alto apreço pela poesia, afirmando que seu valor era maior que o da história, em virtude de ser mais filosófica. A história trata apenas de acontecimentos específicos, enquanto a poesia está mais próxima do universal. Nesse ponto, ele parece se contradizer, fazendo eco à visão de mundo de Platão. No entanto, sua célebre afirmativa de que a tragédia “suscita terror e piedade, purificando tais emoções através do desempenho dramático” permanece como um mergulho fundamental na comovente, porém problemática, experiência do teatro trágico.

De temperamento denso e essencialmente sério, Aristóteles considerava superficial a comédia. Em sua opinião, a comédia consiste na imitação de indivíduos inferiores, e a comicidade em uma mera forma de feiúra sem dor. A estética tenta apenas organizar a desordem estabelecida pela arte, e os teóricos da comédia via de regra terminam tentando se equilibrar em casca de banana. Aristóteles não é exceção – observando que “para começar, a comédia não era levada a sério”.

Não muito depois de seu casamento, Aristóteles fundou uma escola em Assos e três anos mais tarde mudou-se para Mitilene, na ilha de Lesbos, onde fundou outra escola. Sabe-se que, por essa época, Aristóteles estava profundamente interessado na classificação de plantas e animais. Um de seus refúgios preferidos para a caça de diferentes espécimes eram as praias do golfo Iérissos, cujas águas calmas e azuis sob o monte Olimpo são tão idílicas hoje quanto devem ter sido então. Na primavera as encostas se cobrem de um tapete de flores multicoloridas, e no tempo de Aristóteles deve ter havido lobos, javalis selvagens, linces e até mesmo ursos nas montanhas: o primeiro paraíso dos naturalistas para o primeiro naturalista.

Em suas obras sobre a natureza, Aristóteles tentou descobrir uma hierarquia de classes e espécies, mas foi sufocado pelo súbito volume de suas pesquisas. Ele estava convencido de que a natureza tinha uma finalidade e que cada traço específico de um animal existia para cumprir uma determinada função. “A natureza nada faz em vão”, observava. Bem mais de dois mil anos transcorreriam antes que a biologia fizesse qualquer progresso efetivo nesse campo, com a noção de Darwin sobre evolução.

Por essa época Aristóteles adquirira a reputação de líder intelectual de toda a Grécia. Filipe da Macedônia conquistara recentemente a Grécia, unindo pela primeira vez suas cidades-estados, sempre em guerra em um país soberano. Convidou-o então para ser tutor de seu jovem e indomável filho Alexandre. Como o pai de Aristóteles tinha sido médico pessoal e amigo do pai de Filipe, era considerado membro da família – e sentiu-se obrigado a aceitar essa régia oferta. Com relutância partiu para Pela, capital da Macedônia.

Hoje, Pela é pouco mais que um campo cheio de pedras, com alguns mosaicos de seixos e meia dúzia de colunas, à margem da movimentada estrada principal de Tessalônica em direção à fronteira oeste da Grécia. Um lugar surpreendentemente pouco marcante, considerando ter sido a primeira capital da Grécia antiga; mais tarde, depois que Alexandre, o Grande, lançou sua campanha megalomaníaca para conquistar o mundo, poderia ter reivindicado o título de primeira (e última) capital do mundo conhecido.

Foi ali, em 343 a.C., que um dos espíritos mais brilhantes que o mundo jamais conheceu aceitou o desafio de educar um dos maiores megalomaníacos que o mundo jamais conheceu. Aristóteles tinha quarenta e dois anos, e Alexandre treze – mas, não sem surpresa, foi Alexandre o vencedor indiscutível. O jovem e voluntarioso aluno não aprendeu absolutamente nada durante os três anos em que esteve sob a orientação de seu tutor. Pelo menos é o que se conta. Aristóteles estava convencido da superioridade dos gregos sobre todas as outras raças.

A seus olhos, o melhor líder seria um herói homérico, como Aquiles, cuja mente tivesse sido exposta aos últimos progressos da civilização grega; acreditava que a mente humana tinha capacidade para subjugar o mundo inteiro. Não se pode negar que Alexandre guardava estranha semelhança com essa imagem, mesmo que não tenha se tornado exatamente o que Aristóteles pudesse ter desejado. Mas podemos apenas especular sobre esse encontro de gigantes, a respeito do qual curiosamente sabe-se muito pouco.

O que se sabe é que, em pagamento por seus serviços, Aristóteles pediu a Filipe que reconstruísse sua cidade natal, Estagira, acidentalmente reduzida a escombros durante uma das recentes campanhas de Filipe na península Halkidiki. E sabe-se com certeza que, quando Alexandre se encontrava em sua grande expedição de conquista, recolheu plantas variadas desconhecidas e um zoológico de animais exóticos para que seu velho tutor os classificasse. A tradição da horticultura afirma que foi assim que os primeiros rododendros chegaram à Europa provenientes da Ásia central. Se isso é verdade, Aristóteles deve ter classificado essa espécie de maneira errônea: rododendro significa roseira em grego antigo.

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